quinta-feira, 28 de junho de 2012
segunda-feira, 25 de junho de 2012
Sagrado
"Me faz chorar." Um antebraço se enrolou bem firme em volta de
todo cabelo, assim, inteirinho, preso pela mão no extremo, mas enrolado bem
firme no pulso. Ainda tava molhado do primeiro banho, cheirando a shampoo,
àquele perfume gostoso dela e a calor, principalmente a calor. A outra mão tava
perdida faz tempo, gentil e ritmadamente, no lugar certo. Tinham
roupas no chão, tinha música no fundo e ele tava pronto para a brincadeira de
limites. "Vai, me faz chorar!" A expressão dele ficou entre o
fascínio, o desafio e a surpresa. Fazia tempo, é verdade, mas a
coisa toda fora bem mais convencional, nas primeiras vezes. Mudou tudo, essa
semana. E que bom, porque ousado é mais o negócio dele. Fechou os dedos
contra a garganta projetada dela, pra assustar ou enlouquecer. "Mais
forte, anda..!" Ah, aí ele uniu mais as cinturas, uniu bem, apertando os
ossos até o movimento obsceno virar um só, até doer mesmo, pros dois. "Por
favor... forte!" Puxou o cabelo, depois puxou mais, e uniu mais, se
projetou mais, até ela abrir a boca e apertar os olhos, de dor, de tudo, de toda a dor que ela queria.
Se mexeu rápido, bem rápido mesmo, até ela parar com as ordens e começar a
declamar onomatopeias. Ficaram assim, nessa sintonia absurda de perfeição
por um tempo. Aí ela girou, inverteu o padrão, começou a pedir com os olhos,
mandar com a língua. Deixou ele ganhar denovo, ocupar mais espaço, xingar mais um pouco. Sentiu a
nuca arrepiar e se sentiu como um animal, pronta pra mais, com o melhor
treinador do mundo. Arranhou um quadril dele e manteve as unhas
cravadas, até a cara de dor e prazer aparecerem, até ele responder com uma
mordida firme no seu ombro. Cedeu a mais uma combinação fatal de movimentos,
tinha sangue embaixo das unhas e sentia a respiração dele disparando contra seu pescoço, soprando sua cabeça cada vez mais pra perto das nuvens. Aí começou virar os olhos
pausadamente, e se entregar pra mordaça manual que ele, rapidinho, improvisou - antes que o prédio todo escute.
Mas os dois foram perdendo a noção de barulho juntos, a mordaça sumiu quando
dois dedos dele viraram brinquedo na boca dela. Ela voltou a pedir, a mandar.
Ele obedeceu gemendo, brutal - dominante e dominado. Mais uns poucos minutos e
pronto: quase juntos; poesia.
Alguém em algum lugar da cidade deve ter ouvido. Mais de um alguém.
sexta-feira, 15 de junho de 2012
Uns 'V's que achei por aqui
"É absurdo dividir as pessoas em boas e más. Pessoas ou são encantadoras, ou são aborrecidas." (Oscar Wilde)
Já começavam morando errado, longe e cheias de diferenças. Uma se
escondia nas ruas arborizadas do Higienópolis, com 4 carros em casa, mamãe e
papai sempre fingindo pertencer a uma sitcom, dois irmãos mais velhos estudando
medicina e vizinhos adolescentes que conheciam quase toda a Europa. A outra,
dividia uma cobertura (que na real era só o andar final) com sua tia mais
legal, um desses lofts sem paredes, decorados com arte contemporânea, cheios de
janelas, em um prédio acabado porém estiloso, no extremo mais central da
Consolação. Mas isso é só a parte inventada da história, a que não
importa, porque o que importa mesmo são as meninas, e não as voltas que a narradora
precisa dar pra despistá-los e contar um pouco mais sobre elas!
Pode ser que a primeira se chamasse Valentina, e a segunda, Vera.
Talvez as duas quase tivessem 21 anos, e essa pretensão em comum à
incompreensão. É, esse frio na barriga constante, essa tendência a ser mais
triste do que feliz, esse medo, que nunca passa, de se machucar e machucar os
outros...
Valentina gostava muito e completamente de pássaros. Vera achava que
os cachorros eram os animais mais lindos do mundo.
Valentina ouvia música
erudita, mas se apegava mesmo a post-rock, post-pop, post-sex e post-tudo! Vera
achava importante apreciar coisas antigas ou nacionais, quando possível antigas
e nacionais, mas sua paixão musical residia de verdade em poucas músicas, de
uma única banda.
Valentina nunca amou menos que "muito", ou muito
mais que... uma pessoa só, de verdade. Vera se apaixonava com todo o seu
coração, todos os dias, pelas pessoas todas e tudo que existia dentro delas.
Valentina sempre se sentia triste quando pensava na sua família, não sabia se
os amava só por causa do sangue, ou se, essa falta de amor-total se dava por,
no fundo, serem todos tão falhos e parecidos. Vera não odiava ninguém, mas, se
odiasse, seria seu pai... ele nunca fez nada errado, mas como ela podia amar
alguém que nunca nem conheceu o suficiente?!
Valentina gostava de prender o
cabelo em um coque alto, entre o hypado e o meigo, mas sem muita pretensão ao
estilo - assim era só mais confortável, mesmo, especialmente quando mais curto
e limpo. Vera sempre jogava ele todo pra um lado, e depois pra outro, entre o
maluco e o agitado, em uma assimetria perfeitamente simétrica, que ficava
melhor conforme ele crescia.
Valentina passava férias de frente para o mar,
sentindo dó de todo mundo lá embaixo no calçadão: por não entenderem de George
Orwell ou anarquia tão bem quando ela entendia - mas também sentia dó dela
mesma, olhando pra eles - por não conseguir ser feliz a troco de simplicidades,
pequenas convenções sociais, como eles pareciam estar fazendo tão bem. Vera
vivia de férias, ou era essa a ideia que transmitia... mas quando paravam
faculdade e trabalho, fugia durante uns dias para qualquer lugar bonito com os
amigos, ou pior: passava alguns dias de inverno com a família internacional...
mas gostava disso, não pareciam família pra ela coisa nenhuma, é lógico, o
contato era cordial e limitado, mas Vera gostava disso: sempre reforçava sua
compreensão exata de onde pertencia de fato – lá, eram só férias mesmo.
Valentina
queria ser escritora, contar para as páginas, e depois para todos que as lerem,
um pouco mais de suas angústias e medos, ideias e histórias, referências
culturais, paixões e tragédias. Gostava de escrever, ela se entendia quase
plenamente enquanto o fazia, sem contar que quando escrevia consideravelmente “bem”,
ficava feliz com si própria. Vera também gostava de contar histórias, mas
todo o dia, pra todo mundo que pudesse ou devesse se interessar, via folhetos e tablets,
voz e imagem, tanto fazia, desde que acontecesse.
Valentina gostava de
sorvete e dias ermos. Vera gostava de acordar tarde e observar as pessoas nos
olhos enquanto conversava, essas janelinhas lindas, cristalinas e expressivas.
Valentina tinha um grande amor, de nome e sobrenome próprios, mãos expressivas
e os olhos mais lindos do mundo. Vera amava mesmo a passagem do tempo e a complexidade
da psicologia humana, mas também vivia se apaixonando erroneamente, por colegas
estranhos, ou só estranhos (que viravam colegas) no metrô.
Valentina, verde-esmeralda.
Vera, vermelho contra preto, ou preto contra azul-índigo.
Valentina, ocaso e
frutas vermelhas. Vera, ecstasy e cheiro de chuva.
Valentina, 505 do Arctic
Monkeys. Vera, Arctic Monkeys em From the Ritz to the Rubble.
Se elas se conheciam? Às vezes achavam que sim, as vezes que não.
Vera às vezes era o reflexo exato de Valentina, gostos e bairro, sonhos e
ambições. Valentina tinha medo de morrer tão... “valentina” assim, e nos finais
de semana deixava o cabelo cair em ondas pesadas para um lado só, e fingia ser
Vera, enquanto girava pelas calçadas centrais sem rumo, mas na verdade com um
rumo só, bem específico e amplo: desconhecido, desconhecidos e desconhecer-se!
Quem sabe um dia elas não se encontrem de fato e virem o melhor casal do mundo,
ou o melhor indivíduo do mundo – sendo mais que casal, mais que amigas e mais
que reflexos internos uma da outra – sendo uma pessoa inteira, nova, bonita e
segura de si.
(perdão pelo post gigante!)
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